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Parte dos casos de judicialização poderia ser evitada

Juíza Federal do TRF discute o tem durante o 4º Fórum de Direito da Saúde da Femipa

O número de processos judiciais na área da Saúde tem crescido exponencialmente. Para se ter uma ideia do avanço, em 2014 existiam 440 mil processos nesta área. Apenas dois anos depois, em 2016, o número de processos já ultrapassava 1,3 milhão. Os números foram apresentados pela Juíza Federal do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) Luciana da Veiga Oliveira na palestra “Judicialização das políticas de saúde”. A juíza participou do 4º Fórum de Direito da Saúde da Femipa, pré-evento do 11º Seminário Femipa, que ocorre entre os dias 14 e 16 de março, em Curitiba (PR).

De acordo com a juíza, boa parte dos processos diz respeito ao fornecimento de medicamentos. No Paraná foram cadastrados mais de 25 mil pacientes em função de decisões judiciais desde o ano 2000. Apenas no ano passado, foram 4.611 novos pacientes.

Essa judicialização significa também um aumento no aporte de recursos públicos para suprir o cumprimento dessas decisões. Para um exemplo, em 2002, houve um desembolso na ordem de R$ 200 mil no tesouro estadual do Paraná. Em 2017, esse recurso chegou perto dos R$ 180 milhões.

Para Luciana, a judicialização é necessária em muitos casos. “A judicialização pode ser muito positiva. Graças a essa busca se forçou no Brasil, por exemplo, uma política pública de tratamento do HIV/Aids, que hoje é exemplo para o mundo. Há também casos em que existem tratamentos alternativos que trazem mais segurança e eficácia para o paciente e que não são ofertados e, nesse caso, é preciso judicializar. Ou quando as políticas públicas deixam de ser cumpridas, nesse caso a judicialização também é positiva”, defendeu. Mas, a magistrada reconhece que boa parte da judicialização poderia ser evitada. Entre esses aspectos ela cita situações em que os processos são movidos por uma desconfiança infundada com o sistema, ou seja, o paciente não confia que está recebendo o melhor tratamento possível por estar no sistema público de saúde.

Há ainda, entre os motivos da judicialização, a negativa administrativa para tratamentos sem justificativa e sem indicação de alternativas do Sistema Único de Saúde (SUS), que levam as pessoas a buscarem a Justiça para garantir um atendimento, quando poderiam receber tratamentos similares aos buscados sem a necessidade de uma decisão judicial. A juíza cita ainda, como motivos para a judicialização, o desconhecimento por parte dos prescritores das opções existentes no SUS, a não utilização da medicina baseada em evidências e a pressão das indústrias ou de interesses exteriores ao tratamento.

Outro aspecto que tem trazido dificuldades segundo a magistrada é o não respeito às responsabilidades de cada ente governamental nos atendimentos da saúde. Com isso, muitas vezes estados e municípios são acionados por questões que deveriam ser respondidas pela União, pela maior facilidade de se fazer com que se cumpram as decisões judiciais nos âmbitos regionais. “Muitas vezes, o tratamento de um paciente de alto custo pode superar o orçamento de um município pequeno para toda a saúde. E muitas vezes ele é obrigado a cumprir uma decisão judicial que caberia à União”, afirma.

Dificuldades no processo

Além do volume crescente, as dificuldades inerentes aos próprios processos também tornam ainda mais prejudicial a judicialização da saúde. Entre essas dificuldades, a juíza cita o desconhecimento da área médica pelos magistrados que precisam decidir em questões urgentes para as quais muitas vezes não têm conhecimento; a falta de compreensão do funcionamento do SUS; a falta de padronização em códigos e procedimentos, como o caso dos implantes, o que impossibilita a comparação de eficácia e preços; a falta de dados sobre a composição de preços de medicamentos; entre outras. Outra dificuldade é o conflito de interesses no qual a objetividade do julgamento pode ser comprometida por prevalecer interesses secundários.

Na tentativa de melhorar as decisões e reduzir a judicialização, foram criados, por iniciativa do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), os Comitês Executivos Estaduais nos quais profissionais gestores da saúde, juízes e outros operadores do direito se reúnem e debatem questões e buscam elaborar diretrizes para orientar as decisões judiciais. São elaborados informações técnicas e enunciados que servem para auxiliar os juízes nestes julgamentos, trazendo informações que ajudam os magistrados a perceber, por exemplo, a urgência ou não da demanda, as condições e as características técnicas envolvidas no processo. “Todo esse panorama mostra que precisamos qualificar a demanda judicial e as decisões judiciais relacionadas à saúde. É preciso qualificar as demandas com a análise criteriosa da real necessidade de judicializar aquele pedido e com o uso de medicina baseada em evidências e é preciso também qualificar o judiciário para compreender o funcionamento do Sistema de Saúde”, comentou.

Para a juíza, é preciso ampliar a discussão e o entendimento de judicialização é necessário em alguns momentos, mas que a “má” judicialização deve ser evitada e isso só será possível com a aproximação entre os usuários, operadores de saúde e operadores do direito para o trabalho conjunto. “Precisamos cuidar para que essa judicialização não seja desorganizativa ao sistema, inviabilizando o SUS que atende a maioria dos brasileiros”, afirmou.

Por Karla Mendes – Interact Comunicação

Foto: Pedro Vieira

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